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02

Junho

Aula 10

Horário: 19h30 - 22-30

        Em nosso primeiro encontro sobre luta e cultura partimos de uma sondagem de quantos de nós ali já havíamos praticado alguma luta. Diante da resposta tímida de poucos alunos da classe sobre suas experiências com Kung Fu, judô, jiu-jitsu e capoeira (todas práticas bastante difundidas em nosso meio), começamos a refletir sobre os significados que as lutas têm em nossa cultura, quais são os nossos referenciais e por que não encontramos as lutas como práticas frequentes no currículo escolar.

         Para início de conversa passamos pela definição do que em nosso contexto será entendido por luta. Segundo Neira:

“A luta é uma prática corporal realizada entre duas ou mais pessoas que empregam técnicas específicas para imobilizar, desequilibrar ou atingir o oponente. Trata-se de uma forma de combate na qual os opositores atuam simultaneamente.” (NEIRA, 2014, p.90)

        Assim, entendemos que muitas das brincadeiras que vivenciamos, como cabo de guerra, luta de dedão, briga de galo, são também lutas como aquelas que sempre reconhecemos dessa maneira. Podemos compreender, então que a maioria das pessoas tem vivência de lutas mesmo não tendo praticado uma modalidade esportiva ou de combate. Nesse sentido, ressalta-se também, que quando falamos de luta aqui estamos numa esfera que não é a da briga ou do duelo, luta é algo com suas regras e seu contexto. Algo que muda em relação não apenas ao tipo de luta, mas também ao contexto em que a vivência se dá é o significado que a ela se atribui. Para alguns lutar pode ser algo lúdico, para outros esportivo, competitivo ou mesmo combativo.

        O significado também passa pelo olhar de quem lê as lutas. Um bastante recorrente e que inibe sua presença no ambiente escolar é a hipótese, um tanto absurda, de que o trabalho com as lutas contribuiria para o aumento da agressividade entre as crianças. Tal perspectiva relaciona o lutador a uma pessoa agressiva, aquele com quem “não se pode mexer”, um perfil que não se quer entre as crianças, obviamente. Parte desse significado pode ser vinculado às imagens que o cinema dissemina dos lutadores. Nos filmes temos basicamente dois tipos: os agressivos e os que têm uma espécie de poder mágico, seja por sua força, resistência ou até mesmo espiritualidade. Ao mesmo tempo em que trazem uma distorção, tais imagens, veiculadas à exaustão por décadas, povoam nosso imaginário e, muitas vezes, são um passo que nos incentiva à procura por uma prática de luta, como um exemplo mencionado em sala do aumento da procura feminina pelo boxe quando do lançamento do filme Menina de ouro (2004), no qual Hilary Swank interpretava uma lutadora. Esse papel ambíguo é uma marca do cinema, o problema estaria apenas em que essa seja a nossa única referência sobre lutas.

Um brevíssimo histórico sobre os significados que as lutas já tiveram nos leva a dois marcos importantes. O primeiro deles é o uso das lutas como prática do policiamento na China medieval; o outro, também na Idade Média, mas na Europa era a presença das justas como parte da educação de um cavaleiro. Dois significados que estão bastante distantes do espetáculo, da luta como forma de demonstração como temos no Ocidente contemporâneo. O espetáculo midiático promove a disseminação, que como no caso do cinema pode ser uma faca de dois gumes.

        Por tudo isso a tematização das lutas na escola é tão relevante e necessária. Na verdade, mesmo com as resistências a isso que costumamos encontrar, a presença das lutas como temas a serem trabalhados já está prevista desde os Parâmetros Curriculares Nacionais desde 1997. Além das barreiras da cultura escolar as atividades também têm que desconstruir algumas visões distorcidas ou preconceituosas que, eventualmente, tenham sido apresentadas pelas crianças ou disponibilizadas pelos meios de comunicação, já que da multiplicidade de olhares é que se podem descobrir outras dimensões, como também revelar novas formas de as crianças verem as práticas corporais que empregam técnicas de agarre, imobilização e atingimento.

         As professoras e professores não vão ensinar lutas, o que fazem é tematizar e, assim, também aqui cabem as práticas de mapeamento como forma de iniciar o trabalho com as crianças. Vimos então dois exemplos de professores tematizando lutas com os alunos, em um deles a luta olímpica e em outro o kung fu. Algo de interessante nesses trabalhos que vimos é que em ambos havia uma busca de apropriação das crianças sobre o tema, havia pesquisa, além da prática de golpes e de luta com um oponente. No caso do kung fu o mapeamento inicial com os alunos foi bastante proveitoso pois a partir de uma referência prévia que tinham de Kung fu panda puderam em suas vivências ressignificá-las e aprofundá-las. Uma questão que, no entanto, pareceu persistir é a visão da luta como algo masculino. Apesar de que havia meninas em ambas as vivências, apenas na luta olímpica havia por parte delas uma apropriação clara, um protagonismo. Na tematização que vimos de kung-fu as alunas se apresentavam em grupo, como em uma coreografia.

         Uma questão levantada a modo de conclusão nesse primeiro encontro foi a de que a presença de pessoas que praticam as lutas que queremos tematizar sempre favorece a atividade que queremos fazer com as crianças. Não apenas porque reconhecem os significados que a prática tem para alguém que está ali concretamente, e não como uma ideia abstrata, mas também porque pode ressignificar pontos como por exemplo os relativos ao gênero. Essa experiência com convidados que vieram tematizar as lutas que praticam foi o eixo de nosso encontro seguinte, a vivência de lutas.

 

 

Referência: NEIRA, M. G. Lutas. In: Práticas corporais: brincadeiras, danças, lutas, esportes e ginásticas. São Paulo: Melhoramentos, 2014. p. 90-100.

09

Junho

Aula 10

Horário: 19h30 - 22-30

         Neste encontro, três lutas foram tematizadas: Kung Fu, pelos professores Alexandre, Ivy, Arthur e Aline; Taekwondo pelo professor Jorge; e Capoeira, pelos capoeiristas e professores Ligia e Marcos. Lutas muito diferentes, mas com um ponto central em comum, as características de tocar e desequilibrar o oponente. Cada uma dessas lutas foi tematizada não apenas quanto aos golpes, à prática corporal em si, mas também quanto a sua história, filosofia e relações com outros aspectos da cultura, como a medicina tradicional chinesa no caso do Kung Fu.

           Do Kung Fu foram apresentadas e vivenciadas algumas posições como a do cavalo, do arco, do gato,  e com tais posições realizamos sequências de katis propostas pelos professores. Além dos golpes, aspectos históricos que influenciaram no desenvolvimento da luta foram apresentados, como o fato de ser uma criação dos fracos para vencer os

fortes e sua característica de arte marcial, ou seja, de uso em guerras, que influi na precisão dos golpes que atingem pontos específicos do corpo do oponente, com vistas a retirar sua força, e também a perspectiva de que a luta deveria ter um golpe só, preciso e letal na guerra.         

        Também vivenciamos o estilo Garra de águia do Kung Fu, no qual, além da língua de base para o nome dos movimentos ser o cantonês e não o mandarim, uma diferença importante é a postura das mãos que imitam, que formam a garra que dá nome ao estilo. Praticamos um kati e uma técnica de ataque e defesa na qual nos colocamos a lutar com colegas de sala.

        Por fim, ainda que não como fechamento da vivência de kung fu, mas sim do encontro como um todo, nos foram apresentadas uma série de armas usadas no Kung fu. O uso do Leque, da lança, da corrente, da espada e do shuāng jié gùn (nunchaku em chinês) foram apresentados por cada um dos praticantes, explicando sua aplicação em combate, bem como os materiais de que são feitos.

            Logo após as práticas do Garra de águia, tivemos a apresentação de Jorge sobre o taekwondo. Ele nos falou sobre sua origem na Coreia e principalmente sobre as diversas mudanças ocorridas na luta como esporte. O taekwondo apresenta muitos golpes com as pernas, e todos tem como objetivo atingir o oponente em uma área coberta com equipamento de proteção, seja o colete, seja a da cabeça. Para tanto, existem chutes simples, com saltos e também com giros, e justamente sobre a forma de atingir, de pontuar e de marcar essa pontuação é que recaem as mudanças frequentes pelas quais a modalidade esportiva dessa luta passa.

           Foram demonstrados e praticamos três tipos de chute, um para atingir o oponente de lado e com o peito do pé, outro de frente e com a planta do pé e o terceiro um chute para trás. Também aprendemos formas de ameaçar golpes e de esquiva, bem como a importância do grito na hora do golpe para projetar nossa força.  

       A partir disso, passamos à prática com oponente. primeiro simulamos os equipamentos de proteção com colchonetes e depois lutamos alguns minutos em duplas. Nesse momento, pudemos vivenciar mais livremente, mas a partir da pouca técnica a que já tínhamos sido apresentados. Houve um grande envolvimento entre nós. Muitos se arriscando em chutes, desinibindo os gritos e vivendo um momento de ludicidade.

        Por fim, Ligia e Marcos nos apresentaram a história, a estrutura e a gestualidade da roda de capoeira começando pela música que a norteia. A partir da divisão de dois estilos, a Capoeira Angola e a Capoeira Regional, fomos conhecendo a formação das baterias de cada uma delas e seus toques principais. Atabaque, reco-reco, agogô, pandeiro e berimbaus nos foram apresentados com um convite para que fôssemos tocá-los e compor a bateria completa, com todos os instrumentos na Angola e com apenas pandeiro e berimbau na Regional.

        Depois da música, entrou em cena a gestualidade. Ligia não nos colocou para simular golpes ou defesas. Antes nos fez soltar o corpo, alongar com um certo ritmo, caminhar em quatro apoios com os membros esticados, a face para o chão e esticando a perna para o alto e para trás a cada passada, depois numa espécie de ponte, com a face olhando o teto nos deslocamos pela sala, desviando-nos uns dos outros.

        O último e mais esperado elemento foi a roda em si. Compusemos uma bateria completa de Angola e abriu-se a roda. Marcos e Ligia foram os primeiros e a ele se seguiram alguns de nós. Apesar de ter sido um momento em que estávamos fruindo da Capoeira, não nos envolvemos tanto em ocupar o centro da roda, em lutar. Talvez a roda nos tenha inibido. Lembrando a fala de uma colega quando perguntado se havia algum capoeirista na sala, “capoeirista é uma palavra forte”, pensamos que é possível que poucos tenham se sentido à vontade para se colocar ali no centro da roda, para ser visto por todos de uma só vez, sem saber de fato como mover-se ali.  Ainda assim, a experiência de formar o círculo, tocar ou marcar  o ritmo nas palmas foi bastante interessante.

          Pensando nesse sentido, esse encontro de vivência nos trouxe ao menos dois pontos fundamentais: a presença daqueles que, sendo ligados à Educação Física ou não, praticam e ensinam a praticar essas lutas; e a aprendizagem da gestualidade que nos oportuniza também fazer parte por um momento da prática das lutas. Esses eixos possibilitam além da vivência, a ressignificação e o aprofundamento de cada um de nós nessas práticas.

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